segunda-feira, 29 de novembro de 2021

#crítica 1

Crónicas de França

de Wes Anderson


André Bernardo 11º E  |  Escola Secundária Dona Luisa de Gusmão

Crónicas de França é  uma homenagem ao jornalismo impresso. Evidentemente espelhando o New Yorker, Crónicas de França do Liberty kansas Evening Sun é o mais recente filme de Wes Anderson. Escrevi estas linhas ao som da banda sonora do filme e sugiro que também seja lido dessa maneira.

A narrativa trata da história de Arthur Howitzer Jr. (Bill Murray)  que convence o seu pai, diretor do jornal Liberty Kansas Evening Sun, a financiar as suas férias à cidade fictícia francesa de Ennui-sur-Blasé no ano de 1925 escrevendo um suplemento para a edição de domingo, Crónicas da França. Estas férias acabaram por ser de uma vida. Howitzer transforma o suplemento de sucesso numa revista independente. Este só tem duas regras “nada de chorar” (no crying), frase que tem escrita em cima da porta do seu escritório e “Apenas tenta fazer parecer que escreveste dessa maneira de propósito” (Just Try To Make It Sound Like You Wrote It That Way On Purpose). No ano de 1975 chega a sua morte e, como estipulado no testamento, a revista será desmantelada. O filme acompanha esta última edição da revista dividida em quatro artigos de quatro excêntricos e particulares colunistas.

Crónicas de França é possivelmente o filme mais Wes Anderson de Wes Anderson. Esta longa metragem junta toda a carreira do cineasta, todas as suas técnicas distintivas, numa obra que grita o seu nome. A paleta pastel, a simetria, o pragmatismo e rapidez da narrativa, os detalhes e acima de tudo, a composição planimétrica.

Cada segundo deste filme é planeado. A atenção ao detalhe e a minúcia são o ponto alto do filme. Contado a cores e a preto e branco, a integração destes dois elementos é extremamente bem feita com uma sequência inicial que estabelece a razão da sua existência.

O filme, à semelhança dos seus predecessores, faz uso de um humor cartoonizado trazido por um toque ou uma visão infantil da ação. Este é criado através de cortes repentinos e uma câmara que se mantém sempre perpendicular ao plano de fundo movendo-se quase como do ponto de vista de um observador lá colocado que nos está permite experienciar a ação pelos seus olhos. Faço a comparação a, na literatura, uma narrativa contada na terceira pessoa.

Destaco a cena inicial ou, para a revista, o primeiro artigo, “Cycling Reporter”. Sazerac (Owen Wilson) apresenta-nos Ennui e a sua dualidade entre o presente e o passado, os telhados impregnados de gatos e o chão repleto de ratos, a média de 8.25 corpos que são encontrados nos rios e canais. As características da cidade podem por vezes trazer um olhar negro mas, como antes referi, um observador infantil apresenta-nos sempre estes pontos num cariz cómico transmitido através do contraste entre a narração e o que observamos.

A longa metragem está também carregada de referências a outros filmes, como “O homem que sabia demais" de Alfred Hitchcock que, claramente, faz um paralelo com a última história do filme e o que será o último artigo da revista. Outras comparações podem ser feitas entre o revolucionário francês Jean-Paul Marat e a cena em que a personagem de Timothée Chalamet escreve o seu manifesto na banheira de toalha na cabeça.

Por uns momentos esquecemos o desastre que foi a cimeira Cop-26, as vagas de migrantes que desesperadamente tentam atravessar a fronteira de Bielorrússia com a Polónia ou, a um nível mais pessoal, que a troca de metro da linha verde para a linha vermelha na Alameda está desfasada. Um mundo mais simples, onde a ordem é diferente, passageira e subjetiva. Saio do filme a agir e a falar à velocidade da narrativa que acabei de disfrutar. Anderson consegue trazer-nos para dentro desta sua história, para dentro de um pitoresco aconchegante. 

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